Publicado em: 25 de julho de 20213.5 min. de leitura

O coaching invadiu as redes sociais, as empresas e o whatsapp de família. Na verdade, ele está em todo lugar. O tom motivacional dos campeões tomou conta das rodas de conversa. É como se as postagens do linkedin saíssem da tela e fossem parar até no bate papo do café. Junto ao raio coachnizador, veio um sentimento de fracasso. Mas as técnicas positivas não deveriam proporcionar exatamente o efeito contrário e nos fazer sentir vencedores? 

Eis o grande problema do coaching: ele ignora que o ser humano é complexo. Psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, neurocientistas, antropólogos e sociólogos dedicam suas vidas para estudar o comportamento humano individual ou em grupo. O coach parece minimizar a pessoa em um ser binário, onde existem apenas dois caminhos na vida: o do vencedor e o do perdedor. Basta decidir qual trajetória quer traçar e pronto. Só depende de você.

Não, não depende só de você, infelizmente. Seria incrível ter esse poder. É lógico que existe uma força interna dentro de cada ser, talvez até mesmo o instinto de sobrevivência que nos faz levantar e tentar mais uma vez. As metas, o planejamento, os testes de perfil, o treinamento cognitivo podem sim ser muito úteis. Mudar as percepções geram comportamentos bem interessantes. 

Ocorre que existe na atmosfera do discurso motivacional uma violência positiva. Vou dar um exemplo, uma escola de coaching posta em seu instagram as seguintes frases: “Se é para criticar os outros, cale-se. Se é para reclamar, dê sugestão. Se é para se fazer de vítima, faça-se de vencedor. Se é para julgar as pessoas, julgue suas atitudes.” Vou usar um outro “se” aqui para abrirmos uma reflexão: Se você já viveu em um relacionamento abusivo, sabe o quanto essas afirmações são tóxicas e só ajudam o abusador. 

O filósofo BYUNG-CHUL HAN utiliza o termo “sociedade do cansaço” para descrever uma sociedade que luta para atingir metas a todo custo e se torna um ser cansado, esgotado e doente. Ele diz , “Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização”. O discurso motivacional pode ser muito tóxico para a mente.

O coaching realmente parece ignorar as doenças mentais, a cultura, as origens de cada um, a estrutura familiar, a renda e as oportunidades. Existe um motivo para isso? Talvez o de acreditar que todos possam ser vencedores, se apenas quiserem. É bonito, mas infantil e negacionista. A busca pelo sucesso (leia-se dinheiro) e felicidade têm obstáculos sociais e psicológicos, que não devem ser colocados de lado. A depressão, por exemplo, não é frescura de procrastinador e atrapalha o desenvolvimento profissional, por mais que a pessoa queira seguir em frente, o corpo não deixa.

Eu já fiz coaching com uma profissional super capacitada, tive a sorte dela ser psicóloga. A ajuda foi necessária em um momento onde eu não me enxergava. Estava completamente perdida, sem nenhuma esperança, questionando a vida. Foi importante como porta de entrada para minha decisão de fazer terapia. Foi positivo nesse ponto. Em relação ao que o coaching me mostrou, não segui nada, porque o meu problema era de saúde mental. Eu simplesmente não tive como arrancar de dentro de mim o leão adormecido, porque minhas sinapses estavam prejudicadas. Meu corpo não entendia mais o que era endorfina, dopamina, serotonina e ocitocina.

Acredito que o coaching possa ser melhor e mais sério, se as escolas que formam tais profissionais unissem disciplinas focadas em saúde mental. É possível deixar o conhecimento mais profundo e menos superficial. Pode ser que, ao invés de 2 meses de curso, essa modalidade vire uma graduação. A graduação evitaria os aventureiros de plantão, que não conseguem identificar sinais de doenças mentais.

O profissional teria que estudar uns 4 anos, mas pelo menos sairia muito mais capacitado a entender o indivíduo e a sociedade, proferindo assim um discurso focado na auto-realização, mas de uma forma madura e sem romantismo, sem ignorar a complexidade do que é ser humano, podendo ter resultados mais assertivos e duradouros.

 

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